por Ana Schlimovich
Sento ao lado da Zélia Duncan. Quando a sala do Oi Futuro Ipanema fica escura, aparece um homem de luz, o volume do corpo feito de luzes violetas, roxas, fúcsias. O homem iluminado sobe ao palco, se pendura e o seu corpo se transforma em coelho, em cabeça de cervo, em uma máscara, em uma massa de luz amorfa. Logo atravessa a sala toda até desaparecer no quarto de iluminação. Enquanto isso, a banda Tono, que se adivinha por trás do tecido translúcido que cobre a frente do palco, sonoriza o ambiente com sutileza.
"Aceitar o caos" aparece escrito nesse tecido translúcido e algumas outras frases que agora me escapam. O homem luz volta projetado no tecido que não deixa ver os integrantes de Tono, o homem agora é uma sombra que brinca com traços lumínicos, com efeitos que não podem ser explicados porque não foram ainda entendidos. Como é difícil captar essas imagens com a câmera fotográfica. O terceiro capítulo de Palavras Cruzadas impõe o desfrute sem intermediários, no momento presente, ao vivo, já.
Ana Cláudia Lomelino, vocalista de Tono, se centra no palco e dança uma música arábe. Está vestida de preto, no escuro, e mexe o colar que envolve seu quadril, um colar cheio de luzes brancas que fazem um barulho gostoso quando ela se movimenta.
Ramon Mello fala um poema detrás desse tecido que agora tem cores e formas. Vermelho, azul, listras, volume. O tecido cai, e Tono toca a minha música preferida, "da terra pro sol", com microfones de lâmpadas.
Uma criança astronauta entra por um portal que parece vir de outra dimensão, ao ritmo da percussão e a voz de Rafael Rocha, baterista e vocalista da banda, que essa noite também toca guitarra enquanto canta e bate o tambor com os pés. Depois faz uma música inteira com uma estufa elétrica. O músico-polvo apresenta um novo talento a cada apresentação.
Ana cláudia volta ao palco com um vestido de prata e uma coroa-chapéu de luzes brancas, que remarca a sua voz-presença de anjo, e canta um solo: "vitrina", que me lembra a Gal Costa nova. No fim, senta no chão, junto com o seu homem, o guitarrista Ben Gil, e os dois fazem uma música baixo uma galáxia brilhante.
Bruno Di Lullo, que sempre está no baixo, agora fica nos teclados, e canta, em inglês. A cena toda é uma viagem a um futuro visual, sonoro, 3D. No escuro, cada integrante da banda, e o poeta Ramon Mello, começam a aparecer, um a um, pelo halo de luz que desenha o mágico visual- homem luminoso, João Penoni.
O Palavras Cruzadas que em sua primeira apresentação com Letuce, André Dahmer e Bruna Beber surcou as águas de Iemanjá, acabou sua trilogia voando pelo espaço interestelar. Quando as artes e a qualidade se misturam, nasce uma obra do além, como se tudo isso todavia no tivesse sido realmente inventado, uma amostra grátis de um futuro possível e muito desejável.
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